Escritor L.Corrêa







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Um Lado da Ponte

    Surpreso! Medo! Curioso!
    E lá estava eu. À frente a pequena ponte trilhada de pedras escuras era interrompida. O outro lado era coberto por uma cortina vermelha, esperando que alguém passasse e pudesse desvendar os segredos além da ponte imperfeita. O resto a minha volta era apenas neblina, imagens de pessoas parando e outras caminhando surgiam e, ao mesmo tempo, desapareciam. Vou até a ponta, um grande buraco revela o vazio, antes escondido pela ponte perfeita. Começo a pensar em o que devo fazer; voltar, cair, pular?
    O vazio começa a se tornar um espelho, revelando o tempo que passou para mim, mas que está esquecido, como décadas de histórias não lembradas. Tento voltar, mas meus pés estão presos ao chão. Abordado pela verdade percebo que não poderei viver aquilo novamente, aquilo que foi esquecido e, fatalmente, vivido. Se não posso voltar devo seguir em frente, o risco de cair despertava a angústia de ser levado a inexistência, de não ser imortal, chegar ao fim. O pensamento de pular tornava tudo mais misterioso, esperançoso, a possibilidade de abrir as cortinas para um novo espetáculo.
    E por um tempo infinito permaneci parado, observando o vazio e a cortina à frente. Antes de despertar desejei ter inteligência, conhecimento e sabedoria para consertar a ponte. Assim não precisaria olhar para trás, não teria medo de cair e, estaria pronto para uma nova vida à frente; para um novo caminho.

L.Corrêa
 






Realidade

Pare de chorar. Saia dessa lama coberta de sangue impuro.
Não me toque. Não há perdão para os condenados.
Levante. Esse é o fim da sua raça.
Siga em alguma direção. Não olhe para os suicidas.
Sinta o cheiro da morte. Seu mundo se resume a isso.
Não deseje. Todos os sonhos se despedaçaram.
Faça uma última refeição. Coma a maçã da perdição.
Jogue fora seus trapos. A lama vermelha cobrirá sua pele pálida.
Caminhe até o último penhasco. Seus pés sentirão o cair do chão.
Respire profundamente. O Vento lhe guiará até seu destino.
Morra. E não queira mais, não peça mais, não seja mais.
Como você pede que eu viva sua realidade que acaba no fim!?
Prefiro viver minha ilusão; que é imortal.






De Mala e Cuia

     Leo é um garoto legal, gosta de tocar violão e de jogos online.
     Em uma de suas aventuras na “rede” conheceu uma garota, e logo se apaixonou. A distância era compreensiva no início, eles se falavam, se viam, mas não se beijavam.
     O tempo foi passando e a paixão aumentando. Talvez em um ato de loucura ou de amor, Leo arruma suas malas e parte para os braços distantes de sua amada. Com uma mala nas mãos e o vilão nas costas sai da casa dos pais deixando tudo para trás, sem se importar com o que está à frente, apenas desejando viver esse sentimento antes desconhecido.
     Horas de ansiedade depois Leo para na frente do apartamento de sua amada enquanto a chuva cai sobre sua nova cidade. Após uma chamada de telefone e uma expressão de surpresa Leo finalmente termina sua jornada. Talvez ele não tenha sentido a diferença no abraço, no beijo, ou no olhar, pois jamais tinha feito isso antes; mas aquilo era diferente.
     Aceitando as mudanças e se adaptando a nova vida, cada dia foi se tornando mágico para Leo, a vida perfeita; coitado esqueceu-se de perguntar como a outra pessoa via tudo isso. Inexperiente ou inocente Leo não via o que estava acontecendo, esqueceu de si mesmo, se esqueceu que às vezes a diferença de idade pode significar diferença de pensamentos também. Um simples fato, um descuido e uma mentira foi o suficiente para Leo se encontrar no mesmo lugar que antes; na rua com sua mala e violão abaixo de chuva.
     Quando não existe uma conexão, quando nos iludimos por amor, não são palavras nem mesmo flores que farão a desilusão se transformar em amor. Agora Leo parte novamente para sua antiga casa, talvez refletindo sobre sua pequena aventura, ou apenas se perguntando: Por que eu?





Um Olhar no Futuro
    Sempre gostei do deserto, mas agora que vivemos cercados pela areia e cada gota de água é contada já não gosto tanto da ideia de construir um castelo sobre ele. Não é como antes, as florestas estão distantes, as cidades em ruínas, tudo que tínhamos foi perdido; só nos sobrou o futuro.
    Minha mãe diz que eu e meus amigos somos responsáveis pelo futuro do nosso planeta. Eu não entendo, quase não sobrou nada além do que está lá fora. E temos que cuidar dessa bagunça quando os outros se forem. Somos poucos, não sabemos se existem outras pessoas, outras que talvez tenham sobrevivido ao que chamamos de amortização humana. Esse é um nome que os adultos gostam de dar a essa bagunça, eu e meus amigos chamamos de invasão alienígena, mas sabemos que foi apenas a natureza nos punindo por não ter cuidado dela. Perdemos nosso mundo, o que antes tínhamos em grande quantidade hoje nos falta e muito do que acreditávamos precisar se tornou indiferente em um lugar que a única coisa que importa é a sobrevivência.
    Como vamos recomeçar? Fora dessa cápsula que nos mantém seguros existe algo chamado esperança, e fora ela temos o medo, medo do que nos espera além das portas de ferro. Quero ser mais corajoso para seguir em frente, sou tão jovem e mal posso ter medo, todos olham para mim e meus amigos, esse é o momento para o qual nos preparamos. Não sabemos o que vai acontecer, apenas que somos o futuro que está além do fim.
 



Mil Janelas

    São tantas, as vezes cinquenta, algumas vezes cem, mas gosto de pensar que ultrapassam as mil. Toda manhã, tarde e noite o mesmo ritual, a xícara de café, o cigarro e o brilho das luzes desconhecidas. Eu e minha janela “privilegiada”, próxima o bastante para que eu veja todas as outras à frente, mas não tão próxima que faça os prédios se chocarem. Tenho a impressão que sei tudo sobre suas vidas, seu segredos, desejos e medos e, ao mesmo tempo, penso que nada sabem eles sobre mim. E o que eles poderiam saber? Tudo que sei é sobre eles, o resto é segredo!
    Milhões de tijolinhos juntos formando um escudo para a intimidade que todos tanto prezam, talvez essas janelas sejam as falhas, elas são as fofoqueiras, nesse momento estão me contando tantas coisas que desejo não saber a metade, mas essas donas quando começam a falar não param mais: Um menino olhando para o céu, provavelmente esperando ver um disco voador ou talvez um pipa, acho que não aqui no centro. Uma senhora e sua máquina de custara, sempre fazendo ótimas peças e vestidos de noivas, mas sempre mal vestida e sozinha. A mulher que sempre abre a janela para fumar. Outra que a cada semana recebe a visita do encanador e logo depois fecha as cortinas, talvez ele não goste da luz enquanto trabalha. Um casal brigando, clássico, e jogando os móveis um no outro, uma vez caiu um vazo pela janela e atingiu alguém na rua abaixo. Pessoas saindo para trabalhar e outras chegando, refeições, festas, e tudo mais que se possa imaginar que os outros fazem entre quatro paredes e uma janela.
    Eu devia começar a cuidar da minha vida, ou fazer amizade com algum deles... não, tenho que continuar na minha janela, talvez alguém esteja me observando nesse momento, vou continuar esperando...esperando...esperando...até que o tiro entre pela janela e acerte minha testa, fechando meus olhos de uma vez para todas as janelas da vida.






Super-Herói: ser ou não ser?!

    É mais fácil ser o vilão hoje. Já estou sozinho e louco. Tudo que a TV e os jornais mostram faz com que eu tenha cede de sangue e não de justiça, o mundo já está perdido mesmo. Um vilão não precisa de aplausos ou agradecimentos, apenas do medo que reflete nos olhos de suas vítimas. Não sei se é uma escolha, tenho uma máscara e um poder, mas será que posso escolher um lado?  Cada passo e olhar nessa sociedade banal vão tornando tudo indiferente. E com o tempo a própria vida te transforma. Você pode até desejar fazer algo bom, mas às pauladas te deixam fraco, e a dor se transforma em ódio e o ódio no mal; mas se existem caminhos talvez exista sempre uma escolha.
    Responsabilidades, isolamento e sacrifícios fazem parte do cardápio para aqueles que preferem fazer justiça com as próprias mãos ao invés de ficar sentado olhando tudo acontecer, ao invés de escolher um lado; os neutros sempre irão para o inferno. Preciso escolher um lado, o certo ou o fácil, o que menos vai doer ou o que me der mais prazer. No fim a maior dúvida é se o mundo merece alguém que lute por ele ou que ajude a terminar essa bagunça, de qualquer forma seria uma ajuda. Se eu colocar na ponta do lápis é mais fácil ser um vilão, mas no momento não tenho um lápis, tenho algo que pode acabar com a festa dos babacas que estão no beco tentando roubar um grupo de amigos, ou talvez, eu deva descer desse prédio e ir para casa ver um filme e comer pipoca; quem sabe um filme de super-herói.
    Tudo se define ao que você tem a perder e a ganhar. São seis contra três, se eu entrar será quatro, na verdade serei apenas eu mesmo. Vamos ser sinceros, se eu realmente não quisesse fazer algo eu não estaria fantasiado em cima de um prédio à noite e pronto para pular em cima desses idiotas que pensam que por terem uma arma em mãos nunca vão encontrar alguém disposto a quebrar seus dentes e os fazerem voltar para o colo da mamãe. Então é isso, hoje nasce um super-herói em um beco escuro e três batedores de carteira são derrotados, quem sabe amanhã não seja um gênio do mal ou um chefe da máfia. O mal sempre vai existir, o importante é que sempre alguém esteja disposto a ser o super-herói. 







Pizza para Família



  E o despertador grita. Clamando por você e anunciando o começo de mais um dia; que promete ser um longo dia.
  Levantar é sempre a pior parte, até que você levante e perceba que está uma hora atrasada. E lá vamos nós...
  Primeiro chamamos de uma forma carinhosa a pessoa que dormiu ao seu lado por mais de vinte anos. Seguimos para o quarto das crianças e damos um leve toque em cada um para que acordem, até que seguirmos para o banho as pressas se perguntando quando todos vão começar a agir por conta própria.
  O banho era para ser um momento de relaxamento, mas acho que isso é para os ricos que tem banheiras. Após um minuto saio correndo enrolada na toalha sem lembrar se realmente tomei banho. Você espera que todos estejam arrumados e a mesa com o café esteja pronta; nada como sonhar. Então a festa começa, é berro para todo lado, gente pulando da cama e correndo da fúria de uma mãe preste a explodir.
  Cada um corre para um lado da casa a procura de roupa e do seu lanche. Em trinta minutos a casa está mais bagunçada que na noite anterior e assim ela vai seguir até o dia em que não se poça mais andar por ela sem escorregar em uma meia suja. Dividimos as crianças para irem à escola, ter quatro filhos acaba exigindo um carro a mais e um emprego a mais também.
  Mesmo com o trânsito parado não é possível pensar, talvez por causa dos gritos no banco de trás ou o barulho das buzinas em volta. Tudo passa muito rápido, você percebe isso quando tem que explicar às duas horas de atraso no trabalho.
  E começam as oitos horas intermináveis no caixa do supermercado, olhando para tantos rostos diferentes e desejando estar na pele de outra pessoa, como se elas não tivessem problemas, mas nem tempo para meus problemas eu tenho mais, é rotina e mais rotina; é incrível como um “sim” pode mudar sua vida.
  A noite chega e a primeira coisa que quero é me jogar no sofá, então me lembro que tenho que fazer o jantar. Mesmo me sentindo exausta levanto e sigo para a cozinha, então vejo uma cena que acaba compensando tudo, minha família em volta da mesa e uma grande pizza esperando para ser devorada. Talvez isso signifique alguma coisa, claro que não comemos juntos, cada um pega um pedaço e vai para frente de uma da TV. Mas não importa, o dia havia terminado e amanhã começaríamos novamente, quem sabe com outra pizza e mais rotina. 


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